quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

A arquibancada precisa ter voz



O carnaval usou seu poder para contestar e esse drible na mesmice a meu ver serviu também para deixar evidente o silêncio que reina nas arquibancadas. Um silêncio que nos empobrece. Dizem que a culpa é do perfil do torcedor que agora frequenta essas praças, ainda que estádios modernos no Brasil possam ser contados nos dedos das mãos. Boa parte dos que aqui foram construídos para a Copa não merece essa patente. O cenário verdadeiro do nosso futebol ainda se faz de arquibancadas de cimento, sustentadas por estruturas carcomidas, com sua ferragem à mostra como veias esgotadas. A arquibancada poderia ser nossa grande tribuna. 

Houve uma vez em que ela falou e mostrou sua força. Corria o ano de 1979. Amargávamos a ditadura. A palavra Anistia era muito falada, mas com um detalhe: soava íntima pra valer entre intelectuais e simpatizantes da causa. Foi aí que se teve a ideia de estender em pleno Morumbi uma faixa pedindo "Anistia ampla, geral e irrestrita". Mais de cento e oito mil torcedores estavam lá pra ver o clássico entre Corinthians e Santos. O lugar perfeito pra fazê-la chegar ao povo. Avisado de que algo diferente surgiria entre os torcedores o narrador Osmar Santos deu o aviso e deixou todo mundo em alerta: "A Gaviões vai fazer uma surpresa quando o time entrar". Pouco depois a mensagem se abriu no anel superior. A polícia avançou mas desistiu diante da contra força dos torcedores. Uma vitória bem tramada que a história guarda em nobre lugar. 

Dois anos atrás durante o clássico entre Corinthians e São Paulo o juiz parou o jogo ao avistar na arquibancada faixas que apontavam a impunidade na investigação do caso envolvendo as merendas na capital paulista e o preço alto dos ingressos. Nada que pudesse ser enquadrado no Artigo 13-A do Código do Torcedor que veda o porte de cartazes, bandeiras ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo, mas não proíbe ninguém de se manifestar se respeitados tais princípios. E muito pode ser dito sem desrespeitar o que lá está escrito. 

O fato deixou claro que um árbitro de futebol não é o mais habilitado para interpretar o conteúdo de certas manifestações. Ainda mais quando o momento exige certa veemência pra fazer valer nossa liberdade de expressão. Quem sabe ao quebrar seu silêncio as arquibancadas não contaminassem as ruas com sua voz . Seja lá o que for que as mesmas venham a falar, porque se calar é a maneira mais covarde de sucumbir a esse tempo estranho que atravessamos. Dar voz ao nosso futebol - e isso vale para os que torcem e para os que jogam - seria no mínimo resgatar parte da relevância que o jogo tem na nossa história como nação.     

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