O
carnaval usou seu poder para contestar e esse drible na mesmice a meu ver serviu
também para deixar evidente o silêncio que reina nas arquibancadas. Um silêncio
que nos empobrece. Dizem que a culpa é do perfil do torcedor que agora frequenta
essas praças, ainda que estádios modernos no Brasil possam ser contados nos
dedos das mãos. Boa parte dos que aqui foram construídos para a Copa não merece
essa patente. O cenário verdadeiro do nosso futebol ainda se faz de
arquibancadas de cimento, sustentadas por estruturas carcomidas, com sua
ferragem à mostra como veias esgotadas. A arquibancada poderia ser nossa grande
tribuna.
Houve uma vez em que ela falou e mostrou sua
força. Corria o ano de 1979. Amargávamos a ditadura. A palavra Anistia era muito
falada, mas com um detalhe: soava íntima pra valer entre intelectuais
e simpatizantes da causa. Foi aí que se teve a ideia de estender em pleno
Morumbi uma faixa pedindo "Anistia ampla, geral e irrestrita". Mais de cento e
oito mil torcedores estavam lá pra ver o clássico entre Corinthians e Santos. O
lugar perfeito pra fazê-la chegar ao povo. Avisado de que algo diferente
surgiria entre os torcedores o narrador Osmar Santos deu o aviso e deixou todo
mundo em alerta: "A Gaviões vai fazer uma surpresa quando o time entrar". Pouco
depois a mensagem se abriu no anel superior. A polícia avançou mas desistiu
diante da contra força dos torcedores. Uma vitória bem tramada que a história
guarda em nobre lugar.
Dois anos atrás durante o clássico entre
Corinthians e São Paulo o juiz parou o jogo ao avistar na arquibancada faixas
que apontavam a impunidade na investigação do caso envolvendo as merendas na
capital paulista e o preço alto dos ingressos. Nada que pudesse ser enquadrado
no Artigo 13-A do Código do Torcedor que veda o porte de cartazes, bandeiras ou
outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo,
mas não proíbe ninguém de se manifestar se respeitados tais princípios. E muito
pode ser dito sem desrespeitar o que lá está escrito.
O fato deixou claro que
um árbitro de futebol não é o mais habilitado para interpretar o conteúdo de
certas manifestações. Ainda mais quando o momento exige certa veemência pra
fazer valer nossa liberdade de expressão. Quem sabe ao quebrar seu silêncio as
arquibancadas não contaminassem as ruas com sua voz . Seja lá o que for que as
mesmas venham a falar, porque se calar é a maneira mais covarde de sucumbir a
esse tempo estranho que atravessamos. Dar voz ao nosso futebol - e isso vale
para os que torcem e para os que jogam - seria no mínimo resgatar parte
da relevância que o jogo tem na nossa história como
nação.
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